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Doenças periodontais e desgaste dentário em rebanhos ovinos no Estado de Goiás, Brasil.

Afecções dentárias e periodontais representam preocupações de saúde de grande importância em rebanhos ovinos, pois afetam a saúde e o bem-estar dos animais e representam uma das principais causas de abate prematuro. Estudos sobre a ocorrência dessas condições em ovinos são escassos no Brasil. O presente estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de doenças periodontais e desgaste dentário em rebanhos ovinos no Estado de Goiás. Para isso, foi realizada uma avaliação clínica oral em 325 ovinos de sete fazendas em seis municípios do Estado. Lesões periodontais, caracterizadas por recessão gengival em pelo menos um dente incisivo, foram observadas em 48,3% (157/325) dos ovinos, enquanto em dentes molares isso ocorreu em 13,2% (43/325) dos ovinos avaliados. O desgaste dentário em dentes molares foi identificado em 69,2% (255/325) dos ovinos, e 10,7% (35/325) dos ovinos apresentaram desgaste dentário em dentes incisivos. Ovinos com mais de 36 meses de idade tiveram um aumento na frequência de desgaste dentário. Um total de 171 (52,62%) dos 325 ovinos examinados apresentaram sinais de sangramento à sondagem, o que é compatível com gengivite, e 69 (40,36%) tinham mais de 36 meses de idade. Trinta e oito (11,69%) dos 325 ovinos avaliados tinham gengivite em todos os dentes, dos quais 21 (55,26%) tinham mais de 36 meses de idade. A análise de regressão logística permitiu observar que a idade estava associada à ocorrência de gengivite. Alterações menos frequentes, como bolsas periodontais e perda de pelo menos um dente, também foram observadas em 4,9% (16/325) e 17,8% (58/325) dos ovinos, respectivamente. Isso indica que a presença de doenças periodontais e desgaste dentário é uma ocorrência comum nos rebanhos avaliados. Portanto, há uma necessidade de incluir a saúde oral dos ovinos na rotina da fazenda como uma medida preventiva essencial para melhorar a qualidade de vida, o bem-estar animal e os índices zootécnicos.

INTRODUÇÃO

As ovelhas são animais heterodontes e difiodontes, ou seja, possuem dentes diferenciados e duas dentições sucessivas ao longo da vida. A dentição decídua é composta por 20 dentes e a permanente por 32 dentes, ou seja, oito incisivos, 12 pré-molares e 12 molares (König & Liebich, 2011). Uma vez que as ovelhas não possuem dentes incisivos maxilares, esses animais possuem uma almofada dental, conhecida como pulvinus dental, composta por tecido conjuntivo denso e colágeno, coberta por queratina (Weinreb & Sharav, 1964; Cutress et al., 1972). Os dentes incisivos nas ovelhas têm a função de agarrar e cortar alimentos, enquanto os dentes molares e pré-molares são importantes no processo de mastigação (Pugh, 2004).

A digestão dos alimentos ocorre de forma dinâmica nos ruminantes. O processo digestivo começa na boca a partir da apreensão, mastigação e ruminação do conteúdo alimentar, embora a digestão da celulose esteja intimamente associada à ecologia microbiana ruminal. Assim, condições orais como doenças periodontais e desgaste excessivo dos dentes podem atuar como fator de risco para o abate precoce, aumentando os custos relacionados à substituição de ovelhas na fase produtiva e reprodutiva completa (West & Spence, 2000).

As doenças periodontais consistem em doenças infecciosas multifatoriais e poli microbianas que afetam as estruturas que sustentam e protegem os dentes. Entre as diferentes manifestações clínicas, a gengivite é caracterizada pela natureza reversível da doença periodontal e, classicamente, pela presença de edema, descoloração e sangramento gengival espontâneo ou à sondagem (Ramos et al., 2019). A progressão da gengivite pode resultar em periodontite, uma forma mais séria de manifestação, que é destrutiva e irreversível ao periodonto, com presença de destruição óssea e/ou ligamentar, mobilidade dentária e perda dentária (Borsanelli et al., 2016; Silva et al., 2016).

Por outro lado, o desgaste dentário é caracterizado pela perda da coroa dental clínica e pode ocorrer devido ao contato mecânico repetitivo entre os dentes, agentes químicos presentes na saliva e na dieta e, possivelmente, à ação microbiana na proteólise da película adquirida (Cleaver et al., 2023). Ambas as doenças coexistem em ruminantes (Campello et al., 2019) e resultam no comprometimento do processo de mastigação e ruminação, com consequente perda de peso e eventual morte por inanição (Dutra et al., 2000; Pugh, 2004).

A ocorrência de doenças orais em ovelhas e outros ruminantes é negligenciada por profissionais da área e criadores, principalmente devido à falta de conhecimento sobre a ocorrência e os impactos produtivos que essas doenças causam e à falta de hábito em examinar as cavidades orais dos animais. Além disso, os aspectos epidemiológicos das doenças dentárias e periodontais em rebanhos ovinos brasileiros são raros, apesar da importância que essas doenças podem representar para a sobrevivência das ovelhas. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar a ocorrência de doenças periodontais e desgaste dentário em rebanhos ovinos no Estado de Goiás e possíveis fatores de risco.

MATERIAIS E MÉTODOS

Ética Animal. Este estudo foi conduzido seguindo os critérios estabelecidos pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Universidade Federal de Goiás (UFG) sob o protocolo nº 078/20.

Rebanhos. Visitas foram realizadas de agosto de 2021 a agosto de 2022 em sete fazendas na região central do Estado de Goiás para realizar o exame clínico oral de 325 ovelhas. As fazendas estudadas estavam localizadas nos municípios de Goiânia, Trindade, Santa Rosa de Goiás, Inhumas, Pirenópolis e Hidrolândia (Fig.1). As ovelhas foram criadas em diferentes sistemas de produção e a dieta fornecida também variou em cada fazenda. Quanto ao pasto, nas sete fazendas avaliadas, as ovelhas foram alimentadas com pastagens de Urochloa, e em duas fazendas as ovelhas também receberam pastagens de Panicum maximum cv. Massai e Cynodon spp. cv. Tifton 85 ou receberam feno dessas gramíneas. Quanto aos suplementos alimentares, em três fazendas, foi oferecido silagem às ovelhas como suplemento de inverno. Além disso, em uma fazenda, as ovelhas receberam ração à base de milho, em outra fazenda, as ovelhas receberam soro de leite e ração de milho e, em outra fazenda, os animais receberam casca de mandioca como suplemento alimentar. Em todas as fazendas, as ovelhas receberam um suplemento mineral comercial.

Exame Clínico Oral. O estado clínico oral das ovelhas foi estabelecido após contenção física e inspeção de toda a cavidade oral. A avaliação periodontal dos dentes foi realizada usando uma sonda periodontal milimetrada (sonda Williams), retrator labial e lanterna. A sondagem da margem gengival foi realizada posicionando a sonda periodontal paralelamente ao eixo do dente e percorrendo uniformemente toda a margem gengival dos dentes incisivos, de acordo com os critérios estabelecidos por Ramos et al. (2019). Os seguintes grupos dentários foram avaliados: dentes incisivos (dentes 404, 403, 402, 401, 301, 302, 303 e 304; superfícies labial e lingual), maxila superior direita (101, 102 e 103; superfícies bucal e palatina), maxila superior esquerda (201, 202 e 203; superfícies bucal e palatina); e apenas a superfície palatina foi avaliada nos dentes molares (104, 105, 106, 204, 205 e 206). A cavidade oral das ovelhas não permite ângulos de abertura suficientes para um exame periodontal detalhado dos últimos pré-molares e molares. Assim, uma avaliação completa do periodonto de ovelhas vivas é inviável.

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